terça-feira, 6 de setembro de 2011

Homenagem ao Eng. João Farrajota Rocheta

Num momento em que os órgãos de comunicação social apenas transmitem noticias sobre a gravidade do momento actual, esquecem-se muitas vezes de figuras ímpares que muito contribuíram para o País, como foi o caso do Eng. João Rocheta, falecido aos 101 anos de idade em Junho deste ano.


Nascido no longínquo ano de 1909 em Faro, efectuando naquela localidade aí os primeiros estudos. Com 19 anos ruma a Lisboa e ingressa na Escola Naval terminando o curso com excelente aproveitamento ganhando o Prémio Fidel Stocker reservado aos alunos mais brilhantes.. Em 1935 vai para Génova,onde se irá doutorar em Engenharia Naval e Mecânica pela Universidade de Génova, com a máxima classificação de 110/110 «cum lode». No regresso a Portugal, inaugurou o Arsenal do Alfeite como engenheiro encarregado das Novas Construções e das Reparações. Em 1944 passa depois à reserva da Armada iniciando como técnico uma carreira profissional no sector privado notável em vários títulos. A CUF convida de imediato João Rocheta para trabalhar no Estaleiro Naval da Rocha Conde de Óbidos, ocupando o lugar de engenheiro chefe das Reparações. Quando anos mais tarde Vasco de Mello se reforma do lugar de Director do Estaleiro, João Rocheta é de imediato convidado para o lugar. aceitando-o.
Nos anos 50 o Grupo CUF na voz de D. Manuel de Mello tinha a aspiração de construir um grande estaleiro naval na margem sul do Tejo, na área do Samouco, cabendo ao Eng. João Rocheta toda a concepção do projecto. Convém referir que este projecto estará na génese daquilo que será uma década mais tarde o Estaleiro da Margueira, cuja responsabilidade do êxito do projecto é obra sua e de Thorsten Andersson. E se pensarmos que em apenas três anos (1967 a 1969) este estaleiro se torna responsável por cerca de 30% da reparação mundial de navios até 300 mil toneladas, é sem sombra de duvida um marco impressionante digno de registo.

Joao Rocheta irá manter o cargo de Director Geral da Lisnave de 1962 até 1970, ano em que transita para a Presidência do Conselho de Administração da Sociedade Geral. A partir de 1972 com a fusão da SG/CNN assume a Presidência do Conselho de Administração da CNN até a nacionalização na empresa em 1975, sendo afastado da empresa. Regressa assim à posição de 1ª tenente da Armada Portuguesa e colocado na Comissão de Domínio Publico Marítimo onde serviu até à sua aposentação em 1979.


Para se compreender a visão e a determinação deste grande homem merece ser lido este pequeno texto retirado de um artigo escrito pelo Almirante Alexandre Fonseca - Director da Revista de Marinha:

  "Nos Estaleiros da Rocha Conde de Óbidos onde então trabalhavam mais de 1500 operários, constatou que o nível médio de instrução era muito baixo, existindo mesmo um número muito significativo de analfabetos. Não seria assim possível ao Estaleiro ser competitivo e adaptar-se aos modernos métodos de trabalho com este tipo de mão-de -obra. Iniciou então um conjunto de acções de formação interna, procurando qualificar os mestres e contra-mestres, utilizando os engenheiros como formadores, e começou a enviar os jovens aprendizes para as Escolas Técnicas. Mantinha-lhes o ordenado, as propinas e as despesas eram pagas pelo Estaleiro, mas colocava-lhes como condição terem um bom aproveitamento escolar. A resposta foi entusiástica: todos acabaram os cursos e só houve uma reprovação! Também na LISNAVE o Engº João Rocheta não esqueceu este tipo de preocupação: o Centro de Formação de Pessoal preparou milhares de técnicos em múltiplas disciplinas, e granjeou significativo prestígio, quer a nível nacional, quer a nível internacional !"

O Centro aqui referido, era o Centro de Formação D. Manuel de Mello, inaugurado pela LISNAVE em 1970 e que formou ao longo da sua existência milhares de novos técnicos necessários ao sector. Em 2007 João Rocheta afirmava "A formação promove o bom funcionamento e permite o crescimento das empresas. Isto foi uma das coisas que me deu prazer na CUF. E é um dos problemas do nosso País."

Homem de visão, e dotado de uma competência excepcional, pudemos ainda dizer que o Eng. João Rocheta foi mesmo percursor da técnica do "Jumboizing"  consistindo em aumentar os cascos dos navios bem como a sua capacidade de carga geral. Prática essa que só passou a ser comum na construção naval nos anos 60, e na qual a LISNAVE tinha reconhecimento internacional, aportando ao seu Estaleiros navios de todas as partes do mundo para efectuar tais transformações.

A primeira vez que tal operação foi feita em Portugal, foi precisamente em 1946 ao navio "Fort Fidler" cuja sua proa estava parcialmente danificada. Registe-se que este navio foi vendido à Sociedade Geral, sendo rebaptizado com o nome de "Alcoutim". Após ter sido levado para o Estaleiro Naval da CUF, estimou-se que seria necessário um período de 8 meses  para se efectuar a reparação total do navio. Um período tão longo de trabalho, iria levar inevitavelmente a uma consequente quebra da rentabilidade do estaleiro, foi então que o Eng. João Rocheta teve a ideia de construir as as novas partes da zona da proa do navio em componentes pré-fabricadas, fora da doca-seca.

Para se perceber toda a complexidade da operação recorro de novo ás palavras do Sr. Almirante Alexandre Fonseca:

"Em 7 de Agosto de 1946 o agora denominado ALCOUTIM, entrou na doca-seca tendo-lhe sido cortada a proa, que ali ficou escorada, e reforçada a antepara estanque avante da ponte; cinco dias depois de ter entrado, o corpo principal do navio saiu da doca-seca, que ficou disponível para utilização por outros navios. Alguns meses depois, a 10 de Dezembro, o corpo do navio entrou de novo na doca-seca onde já se encontrava o duplo fundo de união à proa e as componentes pré-fabricadas do porão de vante, unindo-se então todas estas estruturas metálicas; treze dias mais tarde, o ALCOUTIM saía da doca-seca, pronto a iniciar um período de experiências de mar."

João Rocheta dirá sobre essa experiência pioneira as seguintes palavras: "Ficou impecável. Manuel de Mello, ofereceu-me então uma cigarreira em ouro e um cheque, que serviu para comprar o meu primeiro automóvel em Portugal, um Wolseley, que custou 90 e tal contos". E o certo é que o "Alcoutim" serviu na Sociedade Geral ate ao inicio dos anos 70.

Esta foi a forma que encontrei para homenagear esta figura ímpar da construção naval em Portugal. Infelizmente vivemos num País onde figuras como estas são rapidamente remetidas ao esquecimento, por não haver entre nós tradição a nível da história biográfica, e o Eng. João Rocheta era sem duvida um digno merecedor de uma obra de género, ainda para mais num país de tradição naval!

6 comentários:

Tiago Neves disse...

Sou seguidor do blog há bastante tempo, mas hoje este post fez-me comentar.

Dá gosto ler posts deste género, sobre pessoas desta fibra. Pessoas estas que são remetidas, como disse, para o esquecimento, e que lutaram tanto para o bem tanto do país, e que demonstram a nossa capacidade, quando devidamente aproveitada.

Não é só o facto de se relegar para segundo plano informação importante como esta, é que num país que se diz do Mar, muita coisa parece deixada de lado e adormecida. Mas acredito que a ocasião faz o "ladrão" e um dia tenhamos mesmo de nos voltar a virar para o Mar com outros olhos.

Abraço,
Tiago Neves.
www.roda-do-leme.com

Ricardo Ferreira disse...

Caro Tiago, obrigado pelo seu excelente comentário.

Não tenho duvidas que Portugal mais cedo ou mais tarde se vire de novo para o mar.

Aquilo que mais me magoa, é o facto de desde o 25 de Abril, a classe politica, esqueceu, ou melhor preferiu virar costas ao Mar. E esse foi um erro tremendo que perdura até hoje.

Talvez nas mentes destes governantes com pouca visão, para eles o sector da navegação, só faria sentido com o Ultramar. Que vistas curtas tinham e têm esse governantes! Quem nao conhece a sua historia, é como quem não vê. Portugal foi sempre o país virado para o Mar, nao podendo crescer as suas fronteiras terrestres para Leste, preferiu aventurar-se numa epopeia maritima e aumentar territorio por diversos continentes. Podemo-nos considerar mesmo pioneiros da globalização. Nada faltava a este país para continuar a sua tradição maritima mesmo sem ultramar, possuindo uma frota de marinha mercante que já passava 1 milhão de toneladas de porte bruto, belíssimos estaleiros, reconhecidos internacionalmente, com know-how e meios técnicos de ponta, quer de reparação como de construção naval, posicionados no centro das rotas do mundo! Olho para a Noroega, que detem uma economia prospera e que souberam sempre retirar partido do Mar. Basta referir que a Maersk é hoje uma das maiores (se não mesmo a maior) empresa de carga a nivel Mundial. Portugal poderia e deveria ter seguido num caminho identico, explorando a nossa tradição naval, e o centro das rotas mundiais de comercio, e dai tirar grandes benefícios económicos. Ja nao falo na investigação e exploração dos recursos que existem por explorar na nossa plataforma continental, ou das pescas que também é fonte de riqueza. Eu sei que é um texto longo. Mas é um desabafo meu, que eu seu que o Tiago me compreende.

Abraço

Tiago Neves disse...

Como compreendo...

Muitas oportunidades de negócio foram perdidas, e por causa da trafulhice do costume e da falta de punho para o "negócio" é que muitas empresas estão a passar mal, ou já cá não estão.

O problema com o deixa andar, e com o desaparecimento de estaleiros como o de S. Jacinto, é que os técnicos perdem-se, os operários desaparecem/envelhecem, e os conhecimentos ficam perdidos, ainda mais numa industria de Engenharia que evolui todos os dias.

Abraço e continue o excelente trabalho.

José Miranda disse...

Caro amigo, só tenho uma palavra a dizer sobre este artigo.

MAGNÍFICO.

Cumprimentos

J. Miranda

Carlos Caria disse...

Existem alguns especialistas neste país, que destruiram a construção naval e outros sectores de actividade. Veja-se o caso Parry & Son, CTM e TAP, e acaso do destino, quem ficou a frente ou pertenceu aos concelhos de administração pós 25 Abril foi quase sempre o mesmo senhor.
Quando algo estava mal logo chamavam o destruidor.
É só questão de investigação, pois foi sempre o mesmo homem, que destrui e se serviu da sua posição dominante para tal acto com a anuência do poder da época.
Bonita homenagem.
Abraço amizade
Carlos Caria

MGomes disse...

Excelente artigo numa forma superior de homenagear o Eng João Rocheta!!! Usufruí dos benefícios da obra, na Lisnave-Marqueira!!! Bem haja pelo seu empreendedorismo a favor de Portugal!!!