sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Carta Publicada no Jornal do Barreiro em Julho de 2010

Após ter lido este delicioso texto, com memorias sobre Alfredo da Silva, escrito por um Barreirense (houvessem mais como ele...) não resisto em partilhar com os meus leitores. Felizmente ainda existem pessoas sensatas, que não foram toldados pela cegueira das ideologias politicas, sendo este texto um belo testemunho, e uma justa homenagem ao industrial fundador do Barreiro moderno.

Barreiro, Julho de 2010

Exmo. Senhor Alfredo da Silva

Desculpe o meu atrevimento, mas resolvi escrever-lhe uma carta para o informar de alguns episódios (só de alguns…) que, por aqui, vão acontecendo.
Peço, também, autorização (sei que não era necessária…) para tratá-lo apenas por Patrão como, carinhosamente, gostavam de o tratar os milhares de trabalhadores, seus amigos, que acolheu nas suas fábricas.
O Patrão não sabe quem eu sou. Digo-lhe, apenas, que nasci em 1929 e que o meu pai começou a trabalhar na C.U.F. em 1930, sendo logo músico na Banda que o senhor tinha criado e que, sem grande esforço, até pode ser considerada progenitora da actual Banda Municipal.
Durante a década de 1930 eu, que morava na rua Brás, frequentei, quase diariamente, o Bairro Operário, essa coisa “horrível” que o senhor também criou e que, em Portugal, só a C.U.F. e o Barreiro possuíam, já quase há 30 anos: casas humildes, é certo, mas com água, luz e esgotos instalados, o que, na altura, era quase um milagre.
Em 1936, com 7 anos, fui para a escola primária da C.U.F., essa outra “aberração” sua, criada na década de 1920, onde, periodicamente, já éramos observados pelo médico; não sei se em Portugal, nessa altura, isso acontecia em qualquer outra escola…
A década de “trinta” não foi uma década de vida fácil, é verdade: primeiro, foi o sacrifício exigido a todos para que Portugal saísse da “bancarrota”, logo a seguir, a Guerra Civil de Espanha e, terminada esta, a Segunda Guerra Mundial. Tudo isso trouxe demasiados entraves económicos, financeiros e outros a todo o país mas, no Barreiro, contra o que muitos procuram esconder ou ignorar, a crise foi muito atenuada, graças à C.U.F. e, é justo reconhecê-lo, à C.P. e às várias fábricas de cortiça, embora estas laborassem, muitas vezes, com horários reduzidos; na verdade não é justo afirmar-se que houve fome no Barreiro, como alguns, por motivos “algo convenientes” gostam de afirmar; passou-se mal, é certo, mas fome, verdadeira fome, não!
Patrão, apesar de tudo, guardo gratas recordações desta década. Aqui vão algumas:
- Foi, no decorrer dela, que o vi, pessoalmente, cerca de uma dezena de vezes, quase sempre ao Domingo; duas ou três vezes na estação do Barreiro-Mar, com a sua secretária e, as restantes, na fábrica, quando ia levar o jantar a meu pai, de serviço no portão, e que me dizia: olha, aquele senhor além, de bengala, é o Patrão, o Senhor Alfredo da Silva e aqueles dois rapazes que estão com ele (isto, umas 2 vezes) são seus netos.
- Lembro-me, pelo menos desde 1933, das Festas do 1º de Maio que se realizavam na mata dos Casquilhos; eram verdadeiras festas dos trabalhadores, com actuação da Banda de Música, torneios lúdicos entre várias secções da fábricas, como os de tracção à corda e jogo do pau, espectáculos de fantoches (robertos, como nós dizíamos…) para a miudagem, etc., etc.. Entretanto íamos comendo o farnel que, cada um, tinha levado de casa. Era, de facto, uma festa dos trabalhadores, sob a égide de um SILVA. Hoje o 1º de Maio não é festa, é luta, isto é (segundo o dicionário), peleja, combate, guerra. Como diria a nossa querida Beatriz Costa a diferença está em que, naquela altura, os SILVAS eram ALFREDOS!
- Também me recordo de, na Escola Primária, andar a ensaiar uns versos que iríamos cantar, em sua homenagem, na inauguração de um busto seu que, em segredo, lhe andavam a querer erigir. O mais bonito é que o Patrão veio a saber, antes do tempo, o que se andava a planear, proibiu a “coisa” e o busto foi muito bem escondido, aguardando melhor oportunidade!
- Só mais uma recordação para não me alongar mais. Foi em 1940, tinha eu acabado de fazer a instrução primária; o Patrão promoveu uma visita, para todos os trabalhadores e suas famílias, à Exposição do Mundo Português. Vários rebocadores, puxando, cada um, duas ou três fragatas, partiram do cais da C.U.F. directamente para Belém, levando mais de 2000 pessoas. Não fora isto e, a maior parte delas, não teria tido a oportunidade de desfrutar desse grandioso evento.
Em 22/8/1942 o Patrão deixou-nos, causando, especialmente no Barreiro, profunda mágoa. Em 20/8/1944, ainda eu não estava na C.U.F., acolitei o saudoso Padre Abílio Mendes, outro grande barreirense de coração, nas cerimónias da sua transladação para o Barreiro, aqui ficando connosco, como sempre foi seu desejo.
Em 1965, ano do centenário da C.U.F., o Barreiro homenageou-o, inaugurando uma estátua sua, entre o mercado e o parque. Eu assisti, juntamente com alguns milhares de barreirenses. A estátua tinha, na sua base, o seguinte:

-30 DE JUNHO DE 1965 – A ALFREDO DA SILVA-HOMENAGEM DO BARREIRO –

e, atrás, num pequeno muro, entre citações de seu neto e de seu genro, uma sua, de 1928, que, por motivos que julgo compreender, não transcrevia fielmente, o que então afirmou, dizia:

“Sinto-me mais seguro no Barreiro do que em qualquer outro lugar”

Quem ama o Barreiro, quem gosta verdadeiramente do Barreiro, jamais deixaria perder tal citação. Toda a gente sabe da má fama que, à data, o operariado do Barreiro gozava no resto do país (de quem seria a culpa?). Pois em 1928, quando um jornalista lhe perguntou se não receava andar tão à vontade pelo Barreiro (lembra-se Patrão?) o senhor, num sincero acto de amor a esta terra, respondeu:

“Sinto-me mais seguro, de noite, nas ruas do Barreiro, do que de dia, passeando pelas ruas de Lisboa”.

Ele há, de facto, gente mesquinha que não sabe como é feita a verdadeira história, neste caso, a história de uma terra. Fazem-na à sua medida e à sua maneira. Mas não é para admirar, é o padrão habitual da escola onde aprenderam e onde se inspiram…
Vem tudo isto a propósito de quê? É que, por causa de umas obras que por aqui andaram a realizar (e que ainda não acabaram…) depois de um acordo entre a C.M.B. e os construtores do FORUM (que eu até achei que foi muito bom, teve foi um mau acabamento…), retiraram a sua estátua do pedestal e, provavelmente, só não a mandaram para a fundição por não haver, agora, nenhuma no Barreiro, dado aquela que o senhor cá deixou, já não existir. Podiam, muito bem, tê-la colocado, embora com outro enquadramento, no mesmo local. Mas não, preferiram construir na parte nobre da Praça, à boa maneira barreirense, uma coisa que nós, vulgarmente, costumamos apelidar de “mamarracho” e, à estátua, resolveram implantá-la no chão, bem puxadinha para um dos lados e sem identificação, à laia do “monumento ao cauteleiro anónimo”, mantendo-a assim durante alguns meses. Há pouco tempo, porém, depois de inúmeras e constantes “observações” sobre o tão inusitado anonimato, decidiram colocar lá uma placa com o seu nome e mais uns dizeres que, se forem bem analisados, são uma ofensa àquilo que o Patrão sempre representou. Eles “sabem-na toda” e julgam que os outros são todos uns ceguinhos. Mas, Patrão, não se zangue, pois melhores dias virão, acredite.
Entretanto não se espera mais nada pois, segundo consta, “eles já deram tudo para esse peditório”…
Hoje fico-me por aqui, mas se tiver um correio que lha leve, prometo escrever-lhe, pelo menos, mais uma carta, embora mais curta, para lhe dizer que o senhor não é o único injustiçado nesta terra, outros há a fazerem-lhe companhia. Depois saberá.

PS: - Patrão, não se aborreça, mas verifiquei que a sua estátua, como está mesmo a jeito, já serve de mictório e não é só aos cães…

Do eternamente reconhecido

Antero Antunes dos Santos


FONTE - Jornal do Barreiro

4 comentários:

Unknown disse...

Parabens Antero. Gostei muito. Também eu, quando passo perto da estátua, sinto vontade de pedir desculpa pela ingratidão doa Barreirenses. é pena que não parem para pensar o que seria hoje o Barreiro se a CUF não tivesse existido... um abraço Maria Isabel Perdigão

paulo ribeiro disse...

Sem dúvida Sr. Antero, concordo plenamente consigo!
È injusto o que fizeram … a forma como ficou a estátua é inaceitável, passa despercebida …
É sobretudo uma falta de respeito com tão grandiosa pessoa como foi o nosso Alfredo da Silva e tudo aquilo que ele deu a este país.
Tomara nos nossos dias, termos 2 ou 3 homens com aquela mentalidade, Portugal seria uma nação muito mais forte e todos nossos seriamos menos pobres e mais felizes!
Mas ainda a propósito, … assim vai o nosso Barreiro … e já agora reparem na decoração das nossas rotundas, mamarrachos de ferro ferrugento …de custos dispendiosos alegando arte (qual arte?) a única que está apresentável é a dos Casquilhos junto ao Hospital.
O nosso Alfredo da Silva deveria ter sido colocado num local bem visível, pois ele não é só o orgulho do Barreiro, é um símbolo nacional!!!

Paulo Soares Ribeiro

Anónimo disse...

Eu acho que Alfredo da Silva deve ter um lugar de destaque no Barreiro, mas esta carta é de uma menoridade incrivel.O Barreiro ter má fama por causa, ele não diz, se canhar tem vergonha, mas diga, era pela repressão, pela legião, pela pide, pela gnr, pelo sargento Reis, pelo Cabra Alta, pelos lambe botas que pululavam na CUF, pelo Mata ratos, ou era por aqueles malandros que não queriam trabalhar, de vez em quando iam dentro.Alfredo da Silva merece ser defendido, porventura algumas vezes ser criticado, a sua memória deve ser perservada como muito bem faz este blog mas esta carta na minha modesta opinião é lixo.

Anónimo disse...

choca-me no que se tornou o Barreiro ...